quarta-feira, 5 de agosto de 2009


Talvez eu seja uma boneca de pano, cujo coração foi roubado. E um rombo gigantesco foi deixado em meu peito.
De repente, veio uma dor forte e se instalou em mim. E ficou, em cada metro do meu corpo rendado, com meus panos e babados. Os meus vestidos passaram a ser mais escuros, independente do cair da noite ou do levantar o dia. Eles só eram propícios se mais próximos do negro que me abrangia. Chegou uma hora em que não os quis mais trocar, não fazia diferença.
Todo dia eu acordava e botava a minha mão sobre meu peito, apertava-o, e não sentia nada. Até que, em uma noite pouco escura e menos sombria, eu vi um clarão no canto de minha cama. Cheguei minhas mãos até ele, e encontrei, atadura de papel que cobria meu peito de pano. Coloquei meu coração de volta e costurei, cuidadosamente. Talvez eu realmente seja essa boneca de pano com o coração resgatado.
Porque, sim, ele voltou para mim, sim, meus vestidos e panos o cobrem, eu o abrigo. Mas não o sinto assim. Ele voltou intacto e este foi o problema. O coração da triste boneca de pano não fora amado como amara, não fora desejado como desejara, e não teve o que quis.
O coração da boneca não era nada além de um pedaço fofo de pano, em formato reconhecível. Ele não fora modificado, e pior, não fora roubado.
A bonequinha queria que alguém a amasse como ela o amaria e, para isso teria de ter consigo uma parte do seu coração. Mas, vendo-o o voltar intacto, percebeu que sua missão fora incompleta, sem sucesso. Talvez eu realmente seja essa boneca de pano, cujo coração roubado não fora amado, cujas pessoas em volta não se misturam, cujo caminho é um ponto de interrogação.
E, principalmente, cuja procura será guiada até que encontre aquele pedacinho mínimo de seu coração, que ainda não percebeu sumir, mas que fora roubado, discretamente, para ser modificado, tocado e amado.


(Boneca de pano)